"E aqueles que pensam em Me procurar, saibam que a vossa busca e vosso anseio devem beneficiar-vos apenas se vós souberdes o Mistério; se o que vós procurardes, vós não achardes dentro de vós mesmos, então nunca encontrarão fora. Pois eu tenho estado convosco desde o Início e Eu Sou Aquela que é alcançada ao final do desejo"


terça-feira, 20 de outubro de 2015

DESAMPARO

A SAGA DA MÃE SOLTEIRA

Historinha triste, porém muito comum...

Papai e Mamãe fizeram um Bebê.
Papai e Mamãe ficaram desempregados.
Papai e Mamãe se separam porque não se gostam mais.
Mamãe fica com o Bebê, que ainda é muito pequenino e depende dos seus cuidados.
Papai vai embora e dá notícias quando tem tempo.
Mamãe pergunta quando o Papai vem visitar e ele diz que não quer voltar porque está muito confuso. Mamãe explica que não quer que ele volte, apenas precisa que ele ajude com o Bebê. Precisam ver como vão fazer com as contas da casa que ficaram pra ela resolver, com a Creche/Babá para o Bebê, e como vão levar aquela situação - como ele vai poder ajudar.
Papai diz que não quer voltar pra ela, que ele está muito confuso. 
Papai pede para Mamãe parar de incomodar.
Mamãe se cansa de tentar explicar que não quer ele de volta, apenas quer ajuda com o Bebê que eles fizeram juntos.
Mamãe está sem dinheiro mas acha que o Papai também.
Papai vai viajar.
Papai sai com os amigos.
Papai não manda dinheiro.
As contas começam a vencer e o nome da Mamãe começa a sujar.
Mamãe começa a procurar um emprego.
Mamãe deixa o Bebê com uma Babá porque ele ainda não pode entrar na Creche.
As Conhecidas de Mamãe dizem que ela é louca por deixar o Bebê com alguém que ela mal conhece - mas o Familiares da Mamãe também trabalham.
As Conhecidas não querem cuidar do Bebê, mas dizem que ela é louca.
A Mamãe começa a frequentar entrevistas:
"Ah, você tem filho?" 
"Ah, você é Mãe Solteira?"
"Ah, ele só tem X meses/anos"
"Com quem ele fica?"
"Tem outra pessoa para ir buscá-lo em uma emergência"
"Que horas ele entra/sai da Creche/Babá?"
"Como você vai fazer para levá-lo/buscá-lo?"
"Quem vai ficar com ele nos finais de semana/feriados?"
"Ah, você ainda está amamentando?"
A Mamãe achava que em 2015 não existia mais preconceito. Mamãe começa a perceber que nenhum preconceito existe - até você ser alvo dele.
Finalmente uma chefe que também é Mamãe Solteira, se solidariza e contrata a Mamãe.
O Bebê já está com idade pra ir para Creche mas não tem vaga na pública.
Mamãe consegue dinheiro emprestado para pagar uma Creche particular que deu um descontinho para cuidar do Bebê.
Mamãe começa a trabalhar 8h por dia.
Nos finais de semana o Bebê fica com os Avós para a Mamãe poder trabalhar.
As conhecidas da Mamãe, dizem que ela é uma péssima mãe pois está terceirizando a educação do Bebê.
Quando chega em casa, a Mamãe cuida do Bebê, da casa, das roupas, das contas, da comida.
Mamãe monta a lancheira do Bebê, vai no supermercado, compra remédio - porque agora o Bebê começou a ficar doente por causa do primeiro ano da Creche - ele ainda está construindo sua imunidade.
O Papai aparece de vez em quando, diz que não tem dinheiro, que ainda não arrumou emprego porque está muito difícil pra ele. Mas diz que ama muito o Bebê e que está sofrendo muito com essa situação.
Mamãe acorda a noite inteira. Nunca dorme e quando dorme acorda a cada 40 minutos.
São os dentinhos do Bebê. 
Mamãe mesmo assim trabalha 8h por dia e "terceiriza" a educação do Bebê.
Mesmo assim tem que pegar dinheiro emprestado. Mamãe chega a pensar em se prostituir, para dar conta de tudo.
Mamãe não pode se prostituir porque se não ela perde a guarda do Bebê.
A Mamãe começa a faltar do trabalho primeiro porque o Bebê pegou conjuntivite e depois porque pegou todas as viroses disponíveis no mercado.
Os Familiares da Mamãe trabalham então ela falta do trabalho para cuidar do Bebê.
Mamãe sempre entrega todos os atestados, mas mesmo assim a Mamãe é mandada embora do trabalho.
Mamãe liga pra pedir dinheiro pro Papai e ele diz que não tem e que não adianta ela insistir que ele não quer voltar.
Mamãe diz que não quer que ele volte e explica que nesse momento ele precisa muito arrumar um emprego porque ela está na função do Bebê e por isso tem sido difícil manter o emprego.
Papai diz que não quer voltar.
Mamãe desiste - é muito cansativo ter que ficar explicando, pedindo, implorando pra que ele cumpra as obrigações dele com o Bebê.
Mamãe já tem as dela para cumprir e as dele - já que ele não as cumpre.
Mas Papai sempre visita.
Pega o Bebê limpinho, saudável, alimentado.
Pega a bolsa do Bebê com as fraldinhas dele, a mamadeira com o leitinho, roupinhas para troca e alguns brinquedinhos.
Leva a lancheirinha cheia e devolve vazia. A roupa limpa e devolve suja.
O Papai posta fotinhos da visita no Facebook e os conhecidos e familiares dele comentam "Que Paizão!!!".
O Papai não sabe nem a série que o Bebê está.
As Conhecidas da Mamãe acham que ela é vagabunda, que não trabalha porque ela se apoia na pensão que o Papai manda.
A família do Papai também acha que ela compra bolsas Chanel com aqueles 30% de salário mínimo que o Papai manda todo mês.
A pensão que o Papai manda é pouquinha porque a Justiça entende que ele está desempregado e não tem dinheiro para pagar os custos do Bebê.
A Mamãe também não pode arcar com os custos do Bebê, mas também não pode deixar um Bebê passar necessidade. Além do que, isso é crime.
Os Conhecidos da Mamãe dizem que ela devia ter pensado nisso antes de abrir as pernas.
A Mamãe come miojo, arroz puro, batata - não faz nunca mistura - pra sobrar mais dinheiro pro leitinho do Bebê.
O Papai assiste a TV e continua mandando currículos pela internet - está muito difícil conseguir um emprego.
Os Familiares do Papai dizem no Facebook que estão todos sofrendo muito porque a Mamãe não deixa eles verem o Bebê.
Eles nunca falaram com a Mamãe.
O Papai também diz que não vê mais o Bebê porque a Mamãe não deixa, mas de vez em quando falta das visitas e a Mamãe fica brava porque ele não avisou - ela e o Bebê ficaram esperando, conforme manda a Justiça.
Quando ela liga reclamando, o Papai diz pra namorada nova dele, que a Mamãe tem muito ciúmes e que não aceita o fato dele ter seguido com a vida dele e ela não.
A Mamãe sente pena das futuras namoradas dele. 
A Mamãe reclama do Papai pra Conhecidos porque está sobrecarregada, mas eles dizem que a culpa é dela, porque ela não escolheu alguém melhor para engravidar.
Mamãe tomava anticoncepcional quando engravidou. Os Conhecidos dizem que ela tomava errado porque anticoncepcionais nunca falham.
A Família do Papai acha que ela engravidou de propósito.
Mamãe não tem muitos amigos porque a maioria das mamães que conhece são casadas e preferem sair com outras mamães casadas.
Também não costuma sair porque não tem com quem deixar o Bebê. Quando tem, os Conhecidos dizem que ela é uma vadia que só pensa em correr atrás de homem ao invés de cuidar do Bebê.
Os Homens acham que a Mamãe está em busca de um novo Papai para o Bebê e sempre se afastam.
A Mamãe acha que um único Papai já é trabalho o suficiente na vida dela.
Um Amigo da Mamãe disse que prefere Mães Solteiras porque elas são alvos fáceis, estão sempre carentes.
Mamãe descobre que o Papai está ganhando dinheiro e pede para ele aumentar a Pensão.
Ele diz que não quer voltar.
Os Conhecidos chamam ela de aproveitadora.
O Papai se acha um grande pai porque assina a mini pensão e visita sempre que pode. Reclama quando a Mamãe pede alguma coisa - ele acha que já está fazendo demais.
Mal sabe o Papai que ele não cumpre com as suas obrigações.
Mas a Mamãe desencana porque já está calejada. 
Decide que vai mesmo assumir tudo sozinha daqui pra frente - trabalha, cuida do Bebê, da casa e não sai.
Depois de apanhar muito, de chorar por horas intermináveis sozinha no banheiro, Mamãe pegou o jeito da maternidade solo.
Papai diz que ela finalmente parou de correr atrás dele - até porque, ele não quer voltar.

*Essa é uma história fictícia, baseada nos inúmeros relatos de Mães Solteiras portanto, qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

[Texto via Mãe no Divã]

domingo, 18 de outubro de 2015

O RESGATE DO MISTÉRIO FEMININO


A dimensão poética do feminino, que dá sentido à vida, não é exclusividade da mulher: ela faz parte da evolução de todo o ser humano.

O que falta ao nosso mundo é a conexão anímica. A afirmação, de Carl Gustav Jung, poderia ser complementada por outra, de Roger Garaudy: “Viver, antes de mais nada, é participar do fluxo e da pulsação orgânica do mundo”.

A conexão anímica citada por Jung e a qualidade de vida proposta por Garaudy estão estreitamente vinculadas ao que chamamos de feminino no ser humano: um potencial interno a ser trabalhado tanto no homem como na mulher, feito de valores hoje considerados supérfluos, superficiais, pouco úteis para a luta pela sobrevivência básica e por isso relegados a um segundo plano.
Entre esses valores estão a estética, a intuição, a poesia, o raciocínio e o pensamento não lineares, os sentimentos, a sincronicidade, os sonhos... Abrir-se para o feminino, portanto, é entrar em um mundo de mistério e encantamento — uma vivência poética que dá cor, entusiasmo e significado à vida.
De acordo com Erich Neumann, um dos seguidores de Jung, a civilização ocidental vive uma crise motivada pelo excesso de valorização do masculino, representado pelo arquétipo do Pai, que leva à inflação espiritual do ego.

O reequilíbrio pode ser obtido aproximando-nos do inconsciente, representado pelo feminino, não só através do arquétipo da Grande Mãe, mas de todas as qualidades simbólicas do feminino pertinentes aos vários ciclos evolutivos da consciência.
Outro grande perigo da atualidade citado por Neumann é a desvalorização das forças transpessoais. Tudo o que não pode ser compreendido e analisado pelo ego não é encarado com respeito, mas simplesmente reduzido, como algo sem importância ou ilusório. Anulado, reprimido ou ignorado, o mistério perde sua força. Assim, o universo perde seu caráter assustador, mas, sem o mistério sagrado que transcende o ego, a vida torna-se mecânica e sem sentido.
A vivência do feminino não torna menos árdua a luta pelos objetivos e metas propostas pelo mundo atual. Mas pode transformá-la em uma aventura corajosa e criativa, com surpresas agradáveis, mesmo através das dificuldades.
Pela sua própria condição biológica, a mulher está naturalmente mais próxima do feminino. Ao contrário do que se poderia pensar, essa proximidade às vezes dificulta o desenvolvimento desse potencial, porque o coloca muito próximo de um nível de atuação inconsciente. Tanto quanto o homem, a mulher deve se esforçar conscientemente para diferenciar e desenvolver os valores pertencentes ao feminino.

O potencial feminino passa por um desenvolvimento simbólico ao longo da vida. Para estudar melhor as possibilidades que se abrem em cada fase evolutiva, vamos nos reportar ao referencial que propõe o analista junguiano Carlos Byington: fase matriarcal, patriarcal, de alteridade e cósmica.

Fase 1 matriarcal — Aqui, o feminino encontra-se em seu próprio elemento, pois o arquétipo dominante é o da Grande Mãe. Devemos observar, porém, que além das valores conhecidos, pertinentes ao aspecto maternal do símbolo, há outras características do feminino igualmente importantes.

Neste estágio psíquico, a consciência não se encontra ainda completamente destacada do inconsciente; é permeada pelo seu fluxo, tornando-se difusa e periódica. Essa condição favorece muito a inspiração criativa, a intuição, qualidades que emergem de modo misterioso, não influenciáveis pela vontade do ego. Convém lembrar que o inconsciente é que é criativo, não o consciente. Portanto, maior abertura e proximidade do inconsciente favorecem a expressão criativa, em todos os níveis, seja ela artística, científica, ou uma busca de novas atitudes.
Outra qualidade do feminino à disposição de homens e mulheres é a consciência do tempo lunar, que enfatiza a qualidade, e não a quantidade de tempo. Com o desenvolvimento desse potencial, podemos abrir-nos para a apreciação do momento mais favorável à execução de determinadas ações ou objetivos. O tempo solar seria o pólo masculino, o que enfatiza a pontualidade e a exatidão da ordem cronológica temporal.

A compreensão relacionada com o feminino não se dá por um ato do intelecto. É
o coração, e não a cabeça a sede da consciência matriarcal. No entanto, como as percepções estão conectadas com o ego, não podem ser consideradas inconscientes. A compreensão acontece por uma abertura afetiva a um novo conteúdo que, assimilado pela totalidade da pessoa, provoca uma alteração global — e não apenas intelectual — da personalidade.

O feminino, com seu caráter restaurador (pois enfatiza a quietude, a tranquilidade, o mistério), está ligado às qualidades noturnas. A força regeneradora do inconsciente atua em segredo e permite que nos aproximemos dessa dimensão, às vezes assustadora, da escuridão, através da suavidade da feminino. Para desabrochar com segurança, o crescimento, a regeneração, a transformação, precisam das qualidades femininas do silêncio, da paciência, da receptividade.
Outra qualidade importante é a ação pela entrega, pelo “deixar acontecer”, a “ação pela não-ação” dos orientais, o aprendizado do acolhimento, não só na maternidade biológica, mas no carregar e deixar amadurecer uma nova cognição, uma nova atitude.

Para a mulher, o maior perigo nessa fase é justamente atuar o feminino apenas no plano externo, concreto, projetando-o na maternidade biológica. Quando isso acontece, o feminino não se desenvolve no plano interno, simbolicamente, e então ocorre urna grande perda para a personalidade, em termos existenciais.

Para o homem, o feminino será realizado, necessariamente, como evento psíquico e não físico. E ele também tem que se defrontar com um perigo intenso: a permanente desvalorização do feminino. Como a consciência deve se desligar do inconsciente e seguir para a fase patriarcal, tudo o que estiver ligado à fase matriarcal deverá ser momentaneamente desvalorizado para permitir o desligamento e a passagem à fase seguinte. No entanto, muitos homens (e mulheres também) permanecem fixados na desvalorização do feminino, encarando suas qualidades como algo negativo, a ser superado em definitivo, e não conseguem recuperar, em si mesmos, a força simbólica desse potencial.
Na fase matriarcal, o feminino desabrocha em sua plenitude para homens e mulheres e permanece durante toda a vida como fonte revitalizante de imensas possibilidades criativas e sensíveis, onde podemos nos nutrir para ampliar e enriquecer nossa essência humana.
Fase patriarcal — Nesta fase, a consciência destaca-se por completo do inconsciente para formar um ego forte, que dirige a libido de acordo com sua vontade rumo à organização e à discriminação. O arquétipo da Grande Mãe é substituído pelo arquétipo do Pai, a lua dá lugar ao sol e as novas conquistas são simbolizadas pelas façanhas do herói. O princípio masculino aqui está “em casa“, como estava o feminino na fase anterior. Com a modificação da consciência, o feminino também sofre transformações que ampliam o seu significado. O que não quer dizer, como frequentemente se supõe, que o feminino se transforme em masculino.

As qualidades do feminino (suavidade, intuição, aceitação, tempo lunar qualitativo) fortalecem-se nesta fase e tomam forma mais definida pelo seu exercício consciente e ativo, tanto no círculo familiar, mais íntimo, como no espaço mais amplo das várias relações afetivas e sociais. Conquistando novos espaços, essas qualidades serão fortalecidas e diferenciadas através da consciência patriarcal, que possibilita a formação de canais individuais mais assertivos de expressão.
À mulher, essa atuação consciente e decidida dos valores femininos proporciona uma auto-confiança fundamental na sua própria essência. Para o homem, passada a etapa de afirmação da sua identidade masculina, o encontro com o feminino representa a conquista da própria alma.
Na nossa cultura, a consciência patriarcal foi levada ao extremo. A aceleração do ritmo vital, a excessiva competitividade e agressividade prejudicaram a qualidade de vida em geral. Hoje, as pessoas têm muito mais conforto devido ao enorme avanço científico-tecnológico, mas já não possuem tantas possibilidades internas de desfrutar esse bem-estar, porque o feminino pouco desenvolvido tomou a vida sem significado existencial.

O objetivo de atingir status, estabilidade financeira, acesso aos bens materiais, simboliza, mais que simples conforto, o sucesso do ponto de vista patriarcal. A vivência e o desenvolvimento dos valores ligados ao potencial feminino são desvalorizados, e é necessária grande ousadia para buscá-los na atual sociedade. Os desafios não são poucos. Em primeiro lugar, temos que usar de toda a capacidade discriminativa da consciência patriarcal para delinear de maneira precisa os valores do feminino a serem resgatados, preservados e desenvolvidos. Em segundo lugar, temos que ampliar o exercício desses valores (suavidade, receptividade, compreensão lunar) do círculo familiar, amigos e pessoas próximas para a sociedade em geral, inserindo essa ação em nosso cotidiano. Isso requer a persistência e a tenacidade da consciência patriarcal, usadas a favor do feminino. Por último, temos que expressar o feminino sem que perca sua essência.

Tais tarefas requerem a força do herói, pois tentam recuperar o respeito, a dignidade, a civilidade no contato humano, hoje tão raros. O feminino tem a faculdade de estabelecer vínculos, relações, tanto externos como internos. Com a consciência patriarcal, passamos a nos diferenciar do outro, a ter uma visão do outro. O feminino faz a ponte, a conexão entre eu e outro, trazendo uma qualidade afetiva à relação. Vivida internamente, essa qualidade afetiva estabelece contacto com a vivência poética inerente a cada ser humano e abre as portas para outra visão de mundo que complementa e equilibra a anual — e dominante — consciência patriarcal.


O estabelecimento de uma vivência poética no quotidiano não pode ser deixado ao acaso. Essa vivência deve ser desejada, buscada e trabalhada criativamente. Portanto, o irromper dos valores femininos na fase matriarcal não é o bastante. Sua continuidade depende das qualidades positivas da consciência patriarcal, que favoreçam seu desenvolvimento.

Fase da alteridade — Se na fase anterior o feminino foi delineado e expresso com clareza, podemos ingressar na fase da alteridade. Os arquétipos regentes são a Anima e o Animus e o objetivo é o encontro e a aproximação das polaridades. O feminino amplia-se ao incluir seu oposto, o masculino, e vice-versa. Ambos são vividos como duas totalidades que se encontram e estabelecem o que Jung chamou de relacionamento “quatérnio”.

O feminino poderá expandir-se muito mais, valendo-se de seu poder criativo, para encontrar novas maneiras de expressão da consciência. Essa criatividade é absolutamente necessária à transformação dos valores patriarcais que se baseiam na consciência tradicional e conservadora do coletivo.

A luta pela afirmação do feminino já não é importante nesta fase. Assim, essa energia pode ser dirigida ao diálogo, à escuta, à reflexão que inclua o oposto. As qualidades do masculino serão vivenciadas como complementares e não mais como antagônicas. As projeções podem ser retiradas; o encontro do feminino com o masculino pode ser vivido internamente. Novas possibilidades desabrocham — por exemplo, a percepção de que a suavidade possui grande força intrínseca, de que o pensamento lunar, do coração, possui sua própria lógica, de que a capacidade de entrega é uma escolha ativa e não um mero abandonar-se passivo. Os valores do feminino, enfim, incluem os valores do potencial masculino naturalmente, do mesmo modo que no símbolo do Tao o lado escuro contendo um ponto claro e o lado claro contendo um ponto escuro estão em constante movimento e inter-relação.

Esse diálogo, essa dança entre as polaridades é a grande tarefa a ser cumprida pelo homem e pela mulher: o lado prático e o lado sensível expressando-se ao mesmo tempo, superando a dissociação interna.
Fase cósmica — É difícil falar com precisão desta fase, pois ainda estamos, enquanto humanidade em geral, na transição da fase patriarcal para a fase de alteridade, que apenas começamos a desenvolver. No entanto, ela não é uma completa desconhecida, pois temos a possibilidade de vivenciar momentos integrativos que nos dão um vislumbre bastante eficaz de suas possibilidades existenciais.

Aqui, o arquétipo regente é o self. Depois da integração obtida na fase anterior, o coletivo é a transcendência das polaridades, que nos leva à vivência da totalidade.

As qualidades do feminino que desabrocharam na fase matriarcal, discriminadas na fase patriarcal e complementadas pelo seu oposto e integradas na fase de alteridade, serão agora vivenciadas de modo espontâneo na sua totalidade, desapegadas dos papéis sociais polarizados que ajudaram no seu desenvolvimento. Por exemplo: mãe-pai, filho-filha, marido-esposa. Pois agora o centro da consciência não é mais o ego e sim o self, que é o centro da psique unificada.
Na fase de alteridade, a forma convencional e coletiva de personalidade é descartada para que a individualidade desabroche. Isto feito, abre-se a porta para a vivência do aspecto transpessoal, onde não mais existe a divisão feminino-masculino e se torna possível a vivência real dos seres humanos em sua totalidade. Como consequência, a visão de mundo também é radicalmente transformada.

As qualidades da feminino serão agora vividas em uma esfera superior, porque foram consciencializadas e transformadas ao longo de todo o processo de desenvolvimento. Elas unem-se agora no que podemos considerar uma nova síntese de sabedoria, expressa através de serenidade, lucidez e harmonia. O Self pode expressar-s

e de modo mais feminino ou mais masculino, apenas no que diz respeito à ênfase no modo de expressão, pois o todo está sempre presente indiviso. Como exemplo, podemos lembrar Lao Tsé, que transmitiu sua sabedoria de modo feminino ao usar a linguagem poética em seus escritos.

Assim, o feminino pode se revelar nesta fase como um valor espiritual vivenciado internamente e não mais projetado no mundo. O inconsciente urobórico do início torna-se sagrado, numinoso e, através do longo processo de desenvolvimento, leva-nos ao si-mesmo.

Vera Lúcia Paes de Almeida

Texto publicado na Revista THOT nº 58.

Encontrado em:O FEMININO RESGATADO

A ESPIRITUALIDADE DA DEUSA E EU

A Espiritualidade da Deusa serve ao meu ver, justamente para a individualização da mulher, para que ela mesma possa através dessa conexão profunda com seu ser interior, com a Deusa, com sua sabedoria natural, guiar e determinar sua vida, ter uma noção de auto-imagem.
 Na minha opinião aquilo que buscamos não é se tornar um espirito transcendente nem atender ou ascender a uma dimensão espiritual e sim viver o Espirito diariamente. Faz se isso por meio da devoção e principalmente da introspeção, da auto-observação e dos estímulos a auto-estima. A questão em si é muito mais profunda que isto...
Tem a ver com quem somos e de onde realmente viemos, da Terra, do Cosmos, do Todo, e a Deusa é isso tudo ao mesmo tempo.
É um mergulho profundo no abrangente feminino, e a compreensão que a verdadeira empatia só é conquistada quando realmente nos vemos, pois nos somos o outro e o outro bem ali, também é parte de nós.
 É por isso que uma vez que se começa esse caminho, que se trilha essa senda, na qual enfrentaremos nosso medo, nossa Sombra diversas vezes e uma vez provada de sua água, uma vez bebida de sua fonte, torna se impossível negar ou desprezar essa verdade, que pra mim sempre será o maior de todos os mistérios; Somos parte da Deusa, a Deusa é parte de nós e ter consciência disso é maior dádiva e vitoria que se pode conceber, todos os atos de amor, prazer e devoção e principalmente a  arte são formas de oferenda, que deitamos nos só a Grande Deusa no Todo, mas também e principalmente a Grande Deusa dentro de nós.
 Não é preciso muito, uma vela, um copo com água, talvez incensos e flores (os detalhes são dispensáveis) e uma leitura gratificante já são obstante para começar a caminhada.
Continuar é o que é difícil, é como andar no dorso de uma serpente imensa...Momentos vão e vem e não sabemos se estamos mais subindo ou descendo, se estamos mais próximas da cauda ou da cabeça...Contudo o minimo de comprometimento é necessário; o auto comprometimento, com  a sua cura e a sua descoberta, a calma para aceitar as adversidades e o bom humor...
Um dia olhamos para atrás( pode ser até o dia anterior) e achamos graça de todos os medos,receios e necessidades fúteis que tínhamos em relação a nós mesmas. Temos medo, óbvio, pois essa é jornada da Vida e não temos tantos moldes para nós guiar...Nossas antepassadas a muito se foram e apesar de haver um rico material de pesquisa, nossa busca não pode se basear num livro da lei...Seria até contra producente e me pergunto se de certa forma, essa improvisação não seja exatamente o que a Deusa, deseja e espera de nós.
Olhemos para todos os lados e até mesmo para uma das formas do culto a Deusa:
No momento, mesmo dentro de nossa terra (eu aqui do Brasil) e ainda que com boas intenções, temos um homem que se julga ou posta como representante das Bruxas no Brasil.
Nada contra ele nem contra os homens dentro da bruxaria e embora isso fuja um pouco ao tema da página, que era falar apenas do SAGRADO FEMININO, acho interessante ver como em todas as áreas de protagonismo, a mulher é sempre eclipsada de uma forma ou de outra pelo homem.

A pergunta agora é o porque disso?
 Talvez estejamos vivendo um novo momento aonde seja novamente necessário que as mulheres demonstrem sim, sua visibilidade e sua ação dentro do MOVIMENTO DA DEUSA.
Talvez eu esteja enormemente enganada e seja tudo impressão minha.
Só o tempo dirá.
Curioso e que do nada sinto ter que voltar, que minha volta se faz necessária, principalmente pra mim...Começou c
om as poesias mas agora penso que prosseguirei com as minhas pesquisas e com os textos e fontes aqui publicados.

 De certa forma até tenha algum material a partilhar, mas me sentia desanimada, e vendo tantas mulheres brilhantes, me perguntava se era realmente necessário continuar a participar da divulgação e do registrar do tema, da Deusa e do Sagrado Feminino e devido a minha situação de vida ser bem particular, se realmente tinha algo a acrescentar.
PERCEBO, que volto muito mais por mim mesma, do que por qualquer outro motivo. Escrever e ler me engajar e publicar são formas de me manter conectada a mim mesma e a Deusa em mim, aquilo que acredito, muito mais funcionais do que preces e devoções religiosas, devido ao momento da minha vida que não permite muito tempo para mim (trabalhar e estudar ao mesmo tempo).
Realmente a primeira mudança começa pela mudança de pensamento.
Espero ter algo a partilhar ainda e fazer algo pela Deusa e por mim mesma.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

HOJE ESTOU EM LUXÚRIA


 Hoje estou em luxúria
Mas não a tola luxúria dos homens
Que veem na beleza um produto
Ou um alivio a suas necessidades.

Minha luxúria não é da pela mas da alma


Que queima e eclode em pétala
Liberando o doce perfume ocre
Um coração pulsante de vida

Porque ser bruxa é saber que tudo
Já está lá para você, para o verdadeiro
E mais intimo você
Ela esta lá na dor e no amor

Na chuva, na rosa, na cerejeira
Nas vielas da rua e até nos dutos do esgoto
Ela está lá por debaixo acima e em tudo isso
Não se trata de adora-La ou temeLla
Se trata de devocão
Que é amar como uma forma de oração...
Lúxuria ou seria a mais intensa paixão...


terça-feira, 6 de outubro de 2015

SERÁ QUE UM DIA SEREI POETISA?

Meu coração está mais escuro do que noite
Meu coração sem música canta a mesma melodia sempre
Da mata ferida que se rasga no meu peito
Eu, que tanto esqueço de quem eu realmente Soul.

Eu canto como numa lenda
Sou uma moça presa numa cabaça
iluminada pelo lua e pelo sol
E meu canto, talvez belo, talvez horrível
Me comprime por dentro.

Eu quero romper a concha em que vivo
E cantar pra fora, fluir de dentro
A perguntas não respondidas
Vivo pelas respostas