"E aqueles que pensam em Me procurar, saibam que a vossa busca e vosso anseio devem beneficiar-vos apenas se vós souberdes o Mistério; se o que vós procurardes, vós não achardes dentro de vós mesmos, então nunca encontrarão fora. Pois eu tenho estado convosco desde o Início e Eu Sou Aquela que é alcançada ao final do desejo"


sábado, 19 de dezembro de 2009

RAINHA CLITEMNESTRA



A REALIDADE DE PERNAS PARA O AR: PARTE I

Oréstia é uma das tragédias gregas mais famosas e freqüentemente encenadas. Nesse clássico, no julgamento de Orestes pelo assassinato de sua mãe, o deus Apolo explica que os filhos não guardam parentesco com as mães. "A mãe não é aparentada ao que se denomina seu filho",explica ele. Ela não passa "de criadora da nova semente plantada que está em crescimento".
"Vou mostrar-vos provas do que expliquei", prossegue Apolo. "Pode haver um pai sem uma mãe. Lá está ela, a testemunha viva, filha de Zeus do Olimpo, ela que jamais foi criada na escuridão do útero, contudo, nenhuma deusa poderia dar à luz tal criança."
Nesse ponto a deusa Atena, que de acordo com a antiga religião grega brotou adulta da cabeça de seu pai, Zeus, entra e confirma a declaração de Apolo. Só os pais têm relação de parentesco com os filhos. "Nenhuma mãe gerou-me", afirma ela, acrescentando, "e exceto pelo casamento, estou sempre favorável aos homens, e inteiramente ao lado de meu pai." Assim, enquanto o coro — as Eumênides, ou as Fúrias, representando a antiga ordem —exclama horrorizado, "Deuses da mais jovem geração, suprimistes as leis de tempos imemoriais,arrancando-as de minhas mãos", Atena lança o voto decisivo. Orestes é absolvido de qualquer culpa pelo assassínio da mãe.

Matricídio não é crime

Por que, poder-se-ia indagar, alguém tentaria negar a mais poderosa e óbvia de todas as relações humanas? Por que um dramaturgo brilhante como Ésquilo iria escrever uma trilogia dramática sobre esse tema? E por que essa trilogia – que em seu tempo não era o teatro como o conhecemos, mas drama ritual especificamente destinado a apelar às emoções e exigir o conformismo às normas prevalecentes – seria apresentada a todo o povo de Atenas, incluindo até mesmo mulheres e escravos, em importantes ocasiões cerimoniais?
Ao tentar responder às questões sobre a função normativa da Oréstia, a interpretação estudiosa tradicional afirma ter ela tentado explicar as origens do areópago grego, ou tribunal de homicídio. Nesse tribunal, inovação em seu tempo, a justiça devia ser obtida supostamente através dos mais impessoais instrumentos legais de estado, em vez da vingança do clã. Mas, como observa a socióloga inglesa Joan Rockwell, tal interpretação é disparatada. Nem mesmo se refere à questão central de saber por que este caso, considerado o primeiro julgado por um tribunal grego de homicídio, é o assassínio da mãe pelo próprio filho. Tampouco enfoca a indagação central de como, no que é supostamente a "lição moral" destinada a sustentar a justiça administrada pelo estado, um filho pode ser absolvido de assassinato vingativo, premeditado e a sangue-frio de sua mãe – e ainda mais sob alegação evidentemente despropositada de que ele não tinha parentesco com a mãe.
Para responder à questão sobre que tipo de normas a Oréstia de fato expressa e afirma, precisamos analisar a trilogia como um todo. Na primeira peça, Agamêmnon, a rainha Clitemnestra atua vingando o sangue vertido de sua filha. Sabemos que a caminho de Tróia, seu marido, Agamêmnon, induziu-a a enviar-lhe a filha de ambos, Ifigênia, pretensamente com o fito
de desposar Aquiles, mas na verdade para ser sacrificada, obtendo ele em troca um vento promissor para sua esquadra, presa em uma calmaria. Quando do retomo de Agamêmnon da Guerra de Tróia, Clitemnestra atira-lhe uma rede, de forma a aprisioná-lo, e o esfaqueia até a morte. Ela deixa claro estar realizando tal feito não só por seu sofrimento e ódio pessoais, mas em razão de seu papel social como chefe do clã, responsável pela vingança do derramamento de
sangue familiar. Em resumo, Clitemnestra age dentro das normas de uma sociedade matrilienar, na qual, como rainha, é seu dever promover o cumprimento da justiça.
Na segunda peça. As Coéforas, seu filho Orestes retorna a disfarçado. Adentra o palácio
materno como hóspede, mata o novo consorte da mãe, Egisto, e por fim, após alguma hesitação, em vingança à morte do pai, assassina a mãe. A terceira peça, Eumnênides, apresenta o julgamento de Orestes no templo de Apolo em Delfos. Sabemos que as Eumênides, como representantes da antiga ordem e em seu papel de protetoras da sociedade e executoras da justiça, perseguiram Orestes. E agora um júri de cidadãos atenienses, presididos pela deusa Atena, deverá decidir se ele deve ser ou não absolvido. No entanto, como o voto dos jurados é igualmente dividido, caberá a Atena o voto decisivo: Orestes é absolvido sob alegação de não ter vertido sangue de parente. Assim, a Oréstia nos leva de volta a uma época em que ocorreu o que estudiosos clássicos
como H. D. F. Kitto e George Thompson denominam o conflito entre as culturas matriarcal e patriarcal. Em nosso termos, ela reconstitui — e justifica — a mudança de normas de parceria para as dominadoras.



De acordo com Rockwell, ela nos leva da "total aprovação da justiça no caso de Clitemnestra, na primeira peça, até o ponto em que sua filha é esquecida, seu fantasma eclipsado, e seu caso tomado inexistente, porque as mulheres não tinham os direitos e atributos por ela reivindicados", pois "se uma criatura poderosa como Clitemnestra, a pretexto da morte de sua filha Ifigênia, não tem direito à vingança, que mulher o terá?" Com a lição sobre o que acontece a essa mulher "orgulhosa", mesmo com causa tão justa, todas as mulheres estão efetivamente impedidas até mesmo de considerar a idéia de atos de rebelião. Além do mais, o papel de Atena neste drama normativo é, segundo Rockwell,
"demonstração magistral de diplomacia cultural; é muito importante em uma mudança institucional que uma figura líder do partido derrotado seja vista acatando o novo poder". Com Atena, descendente direta da Deusa e deidade protetora da cidade de Atenas, declarando-se favorável à supremacia masculina, a mudança para a dominação masculina deve ser aceita por todo ateniense, assim como a mudança do que antes era um sistema de propriedade basicamente comunal ou dirigido pelo clã (no qual a linhagem era traçada através das mulheres) para um sistema de propriedade privada dos bens e das mulheres pelos homens. Como descreve Rockwell:




"Se o primeiro julgamento no novo tribunal de homicídios prova que o matricídio não é um crime blasfemo, em razão da inexistência de relacionamento matrilinear, que melhor argumento para a descendência patrilinear única?"
Na Oréstia todo ateniense percebe como até mesmo as antigas Fúrias ou Parcas, acabam cedendo. A ordem de dominação masculina fora estabelecida, as novas normas substituíram as antigas, e sua fúria de nada valeu. Completamente derrotadas, elas se retiram para as cavernas sob a Acrópole, com Atena "persuadindo-as" a permanecerem em Atenas – após reiterar o argumento notável de que a morte de uma mãe não implica derramamento de sangue de parente, dando seu voto decisivo. Claramente subservientes, elas agora se comprometem a invocar seus poderes antigos, poderes da Deusa, e prometem, pelo bem de Atenas, ajudar a guardar "esta cidade governada por Zeus todo-poderoso e Ares" (Ares, é claro, é o deus da guerra)



IN O CÁLICE E A ESPADA -RIANE EISLER

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O que a autora se esquecer de ressaltar, é que tanto Clitemnestra e sua filha são sacerdotisas, principalmente esta última dedicada ao serviço da Deusa Virgem da Lua, a Deusa Diana, que que haveria ela de estar desejosa de se casar?

Não é pois nesse contexto que tal assassinato a sangue frio pelo próprio pai se descortina, mas que Clitemnestra via na sua filha a próxima Rainha da Cidade e do Clã matrilinear, sendo que está também foi lá realizar o tal sacrifício como sacerdotisa de Diana sem desconfiar que seu próprio pai (gente boa o cara!) mataria sua própria filha apenas para que a rainha não tivesse descendentes, que Ifigênia não pudesse suceder ao trono de sua mãe, como seria legitimo pois assim era feito desde o início dos tempos.

Outra coisa gravíssima é o fato da descendente direta da antiga Deusa da Sabedoria (Métis) ter negado a própria filiação matrilinear, isto um inversão total do mito e ainda por cima uma afirmação anti-natural, porque como um filho não poderia ser parente de sua própria mãe?


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