"E aqueles que pensam em Me procurar, saibam que a vossa busca e vosso anseio devem beneficiar-vos apenas se vós souberdes o Mistério; se o que vós procurardes, vós não achardes dentro de vós mesmos, então nunca encontrarão fora. Pois eu tenho estado convosco desde o Início e Eu Sou Aquela que é alcançada ao final do desejo"


domingo, 19 de abril de 2009

DEUSA SUJA


Há um ser que vive no subterrâneo selvagem das naturezas das mulheres. Essa criatura faz parte da nossa natureza sensorial e, como qualquer animal completo, possui seus próprios ciclos naturais e nutritivos. Esse ser é curioso, gregário, transbordante de energia em certas horas, submisso em outras. Ele é sensível a estímulos que envolvam os sentidos: a música, o movimento, o alimento, a bebida, a paz, o silêncio, a beleza, a escuridão.

É esse aspecto da mulher que tem cio. Não um cio voltado exclusivamente para a relação sexual, mas para uma espécie de fogo interior cuja chama cresce e depois abaixa, em ciclos. A partir da energia liberada nesse nível, a mulher age como lhe convém. O cio da mulher não é um estado de excitação sexual, mas um estado de intensa consciência sensorial que inclui sua sexualidade, sem se limitar a ela.

Muito poderia ser escrito acerca dos usos e abusos da natureza sensorial feminina e sobre como as mulheres e outras pessoas atiçam fogo à revelia dos seus ritmos naturais ou tentam extingui-lo por completo. No entanto, em vez disso, vamos focalizar um aspecto que é ardente, decididamente selvagem e que transmite calor que nos mantém aquecidas com boas sensações. Na mulher moderna, essa manifestação sensorial recebeu pouquíssimo atenção e, em muitas regiões períodos, foi totalmente eliminada.

Existe um aspecto da sexualidade feminina que, nos tempos remotos, era chamado de obsceno sagrado, não na acepção que damos hoje em dia ao termo, mas com o significado de uma sabedoria sexual de uma certa forma bem-humorada. Havia outrora cultos a deusas que eram voltados para uma sexualidade feminina irreverente. Longe de serem depreciativos, eles se dedicavam a ilustrar partes do inconsciente que ainda hoje permanecem misteriosas e em grande parte desconhecidas.

A própria ideia de sexualidade como sagrada e, mais especificamente, da obscenidade como um aspecto da sexualidade sagrada, , é vital para a natureza selvática. Havia deusas da obscenidade nas antigas culturas matriarcais - assim denominadas por sua lascívia astuta, porém inocente. Contudo, a linguagem, pelo menos no inglês, dificulta a compreensão das "deusas sujas" como algo que não seja vulgar. Eis o que a palavra sujo e outros termos a ela relacionados significam. A partir deste significados, creio que ficará claro porque motivo esta antiga adoração às deusas foi empurrada para baixo do pano.


Há alguns anos, quando comecei a contar "histórias de deusas sujas", as mulheres sorriam e depois riam ao ouvir os feitos de mulheres, tanto verdadeiras quanto mitológicas, que usavam a sua sexualidade, sua sensualidade, pra transmitir uma ideia, para amenizara tristeza, provocar o riso e, desse modo, corrigir algo que estivesse desencaminhado. Eu também me comovi com a forma pela qual as mulheres se aproximavam do limiar do riso a respeito desses assuntos. Elas primeiro precisavam colocar de lado tudo que lhes dizia que isso não seria sinal de boa educação.

Percebi como essa atitude de "boa educação" nas situações erradas realmente sufocava a mulher em vez de permitir que respirasse. Para rir, você precisa ser capaz de soltar o ar e inspirar de novo rapidamente. sabemos a partir da cinesiologia e de terapias do corpo, como a Hakomi, que respirar significa conhecer nossas emoções, que, quando queremos parar de sentir, interrompemos a respiração prendendo-a.

No riso, a mulher pode começara respirar de verdade e, ao fazê-lo, ela talvez comece a ter sentimentos censurados. E quais poderiam ser estes sentimentos? Bem, eles acabam não sendo sentimentos, mas alívio para os sentimentos e, em alguns casos, curas para os sentimentos, como por exemplo, a libertação das lágrimas contidas ou de lembranças esquecidas, ou ainda a destruição das amarras que prendiam a personalidade sensual.

Ficou evidente para mim que a importância dessas antigas deusas da obscenidade estava na sua capacidade de soltar o que estava muito preso, de fazer dissipar a melancolia, de trazer ao corpo uma espécie de humor pertencente não ao intelecto, mas ao próprio corpo, de manter desobstruídas as passagens. É o corpo que ri das histórias de coiotes, das histórias de Tio Trungpa, das frases de Mãe West, entre outras. As deusas sujas fazem com que uma forma vital de medicamento neurológico e endócrino se espalhe por todo o corpo."


in:Mulheres que correm com os lobos

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